sábado, 18 de outubro de 2014

Entendendo os Sonhos


Entendendo os Sonhos
Silvia Helena Cardoso, PhD

Sonhar permite que cada um

e todos de nós sejamos loucos,
silenciosamente e com segurança,
cada noite de nossas vidas.William C. Dement, pesquisador de sono e sonhos

Ao longo de sua história, a humanidade tenta entender o significado dos sonhos. Desta questão cuidaram os filósofos, místicos e cientistas, chegando eles às mais diferentes respostas. Diversas culturas antigas e mesmo muitas atuais, interpretam os sonhos como inspirações, sinais divinos, visões proféticas, fantasias sexuais, realidade alternativa, e diversas outras crenças, medos e conjecturas, dada a sua natureza intrigante e enigmática.
Em 1900, em seu livro "A Interpretação dos Sonhos", Sigmund Freud defendia a idéia de que os sonhos refletiam a experiência inconsciente. Ele teorizou que o pensamento durante o sono tende a ser primitivo ou regressivo e que os efeitos da repressão são reduzidos. Para ele, os desejos reprimidos, particularmente aqueles associados ao sexo e à hostilidade, eram liberados nos sonhos quando a consciência era diminuída.
Entretanto, naquela época, a fisiologia do sono e sonhos era desconhecida, restando a Freud apenas a sua interpretação psicoanalítica dos sonhos.

Somente na década dos 50, com a descoberta de que os movimentos rápidos dos olhos (o chamado sono REM, ou Rapid Eyes Movement sleep), eram frequentemente um indicativo de que o indivíduo estava sonhando (3), uma nova era da pesquisa sobre sonhos emerge, e alguns elementos da psicanálise tiveram que ser modificados ou abandonados.
Hoje sabemos que os sonhos são entendidos como parte do ciclo do sono determinado biologicamente. Diversas teorias tem sido descritas, baseadas em achados neurofisiológicos e comportamentais, seja através do registro de ondas cerebrais, seja por estudos com lesão e estimulação de estruturas no cérebro (de animais) que são acreditadas estarem envolvidas com os sonhos.
Por que o cérebro sonha?
De natureza muitas vezes bizarra, irreal e confusa, os sonhos são especulados por alguns estudiosos do sono e sonhos como sendo um meio pelo qual o cérebro se livra de informações desnecessárias ou erradas durante o período em que o indivíduo está acordado - um processo de "desaprendizagem" ou aprendizagem reversa, proposta por Francis Crick e Graeme Mitchison, em 1983 (5). Estes pesquisadores postularam que o néocortex, uma complexa rede de associação neural, poderia se tornar carregado por grandes quantidades de informações recebidas. O neocórtex poderia desenvolver, então, pensamentos falsos ou "parasíticos", pensamentos estes que comprometeriam o armazenamento verdadeiro e ordenado da memória.
Isto explicaria porque as crianças, cujo rítmo de aprendizagem é intenso, apresentam mais sono REM que os adultos. Elas necessitariam, segundo esta idéia, esquecer asdiversas associações erradas ou sem sentido que se formam durante a sua aprendizagem quando estão acordadas, favorecendo, desta forma, o armazenamento das associações ou informações que são verdadeiramente importantes.
Em linha semelhante de pensamento, outros estudiosos teorizaram que os sonhos consistem de associações e memórias eliciadas da parte frontal do cérebro, em resposta a sinais randômicos do tronco encefálico. Estes autores (13), sugeriram que os sonhos são o melhor "ajuste" que o cérebro frontal poderia fornecer a este bombardeamento randômico do tronco cerebral. Nesta proposição, os neurônios da ponte, via tálamo, ativariam várias áreas do córtex cerebral eliciando imagens bem conhecidas ou mesmo emoções, e o córtex então, tentaria sintetizar as imagens disparadas. O sonho "sintetizado" pode ser completamente bizarro e mesmo sem sentido porque ele está sendo desencadeado por uma atividade semi-randômica da ponte (veja Substrato Neural dos Sonhos).
William Dement nos chama a atenção para o fato de que cada um de nós somos "loucos", quando, ao sonhar, manifestamos as mais bizarras situações. Outros pesquisadores predizem que falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias, alucinação e obssessão (9). Outros ainda, afirmam que a falta de sonhos (de sono REM) induz psicoses alucinatórias e outros distúrbios mentais.
Com base em tais achados e teorias, podemos pensar que sonhos são mecanismos de defesa e adaptação, e a "loucura" manifestada durante este estado silencioso e inconsciente, parece ser necessária para que nos mantenhamos "sãos" durante o nosso agitado estado de consciência.


É Possível Saber Quando Uma Pessoa Está Sonhando?

Pintura: René Magritte
Animation: S. H. Cardoso
Você já deve ter percebido alguém movimentar rapidamente os olhos enquanto esta pessoa estava dormindo. Este processo é chamado sono do "movimento rápido dos olhos", ou, no termo em inglês, sono REM (rapid eyes movement), um período mentalmente ativo durante o qual os sonhos ocorrem. Várias vezes durante a noite, você entra no sono REM.Durante este estágio de sono, diversos pesquisadores acordaram os sujeitos voluntários à pesquisa e observaram que eles podiam se lembrar dos sonhos, enquanto que nos outros estágios do sono (convencionalmente chamado não REM (NREM), os sujeitos não se lembravam se haviam sonhado ou não (3). No sono NREM o cérebro geralmente não gera sonhos; ele parece ser designado para repousar.
Os movimentos dos olhos geralmente são apresentados na forma horizontal e parece que eles representam um laborioso esquadrinhar da cena da ação do sonho. Em ocasiões raras, pesquisadores observaram que os movimentos oculares rápidos eram verticais, e nesta situação, quando as pessoas eram acordadas, elas relataram sonhos que envolviam movimentos de objetos ou de pessoas para cima ou para baixo (3). Em outra situação, quando o registro não mostrava nenhum movimento ocular rápido e o EEG indicava sonho, os sujeitos relataram que estavam observando algum ponto distante em seus sonhos. Assim, parece que a direção de movimentos oculares correspondem ao que o sonhador está olhando ou seguindo com seus olhos.
No sono REM, o indivíduo parece estar mais acordado do que sonolento, o corpo, (exceto os músculos dos olhos), está imobilizado.


Mas é importante mencionar que sono REM e sonhos não são sinônimos. Alguns sonhos - embora raros - podem ocorrer fora do sono REM, e o sono REM tem algumas características peculiares que nao estão relacionadas com os sonhos.



O Significado dos Sonhos 


A função dos sonhos ainda permanece bastante desconhecida, embora alguns pesquisadores tenham proposto várias teorias baseadas em achados neurobiológicos e comportamentais sobre o conteúdo dos sonhos.
Conteúdo dos Sonhos
Muitos sonhos não são prazerosos. Calvin Hall (7) catalogou mais de 10.000 sonhos de pessoas normais e encontrou que:
64% - eram associados com tristeza, apreensão ou raiva;
18% - eram alegres e excitantes;
1% - eram associados com envolvimento sexual;
2 (dois)- eram atos hostis contra o sonhador, tais como assassinato, ataque, ou denúncia.

Sonhos Bizarros
Crick and Mitchison propuseram que a função do sonho é eliminar certas formas indesejáveis de interação entre células no córtex cerebral que pudessem ser danosas ao cérebro (5). Eles sugeriram que os sonhos pudessem ser um mecanismo de desaprendizagem ou esquecimento, onde, nesta situação, as associações são enfraquecidas. "Nós sonhamos para esquecer", escreveram os autores, isto é, nós sonhamos para reduzir a fantasia e a obssessão.
Esta teoria prediz que falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias, alucinação e obssessão. Eles também acreditam que o cérebro necessita se livrar de informações processadas durante o estado de vigília, e os sonhos seriam um canal de eliminação destas informações para o ajuste do cérebro. Os responsáveis pela busca deste equílibrio, seriam estruturas especiais do cérebro.
Em estudos com simulação neural em redes de computadores, uma avançada tecnologia em neurociências computacionais, que é acreditada ser operada similarmente no cérebro, os autores demonstraram que as redes se tornam carregadas quando se tenta armazenar nelas, um número excessivo de informações. Neste caso, a rede produz associações bizarras (podendo-se comparar com as "fantasias" dos sonhos), e ela tende a recorrer ao mesmo resultado, quaisquer que sejam os dados entrados (obssessão), e pode responder a sinais de entradas inapropriados os quais normalmente não eliciam respostas (alucinações). Esta teoria prediz que falhas na habilidade em processar o sono REM, podem causar fantasias, alucinação e obssessão (9).
Sonhos Emocionais
Sonhos emocionais podem refletir a personalidade do sonhador, bem como a sua situação, no estado de alerta. Eles podem expressar preocupações, desejos, insegurança, idéias grandiosas, ciúmes, amor, medos e outros sentimentos ou sensações, revelando por meio disto, diferentes aspectos do estado mental das pessoas. Evidências desta observação foram demonstradas por Rosalind Cartwright (9), em um estudo que envolvia sujeitos separados e divorciados. Estes indivíduos eram acordados durante o sono REM para reportarem seus sonhos. Em 70 indivíduos estudados, o conteúdo do sonho estava fortemente relacionado com a maneira pela qual aquela pessoa estava lidando com a crise em questão (o divórcio).
Crick and Mitchison (5) sugerem que a prevalência da emocionalidade nos sonhos pode ser característica somente de sonhos que são lembrados, dado que os indivíduos são acordados pelos sonhos devido a ansiedade associada com eles. Nestes casos, o processo de aprendizagem e de esquecimento se reverte para uma aprendizagem positiva e então a sua recorrência pode ser explicada. Esta possibilidade pôde ser testada observando que os sonhos registrados de pessoas "atificialmente" acordadas durante um experimento mostrava uma diminuição na proporção de temas relacionados à ansiedade.
Sonhos Com Atos Anti-Sociais e Com Pessoas Mortas
No estado de vigília, o córtex analisa com precisão os impulsos que chegam dos vários órgãos receptores do sistema sensorial, chegando a uma decisão e gerando uma resposta integrada como, por exemplo, o movimento do braço (ação do órgão efetor) pegando uma faca. O córtex se manifesta também na inibição deliberada de ação (por exemplo, arremessar a faca em direção a uma pessoa). Para Kleitman (11), no processo do sonho, o mesmo tipo de atividade cortical se processa em um nível inferior de desempenho. A análise dos fenômenos é falha, a memória traz confusamente o passado ao presente; o sonhador reconhece uma pessoa falecida, mas aceita a sua presença sem surpresas. Consequentemente, a integração da resposta cortical é incompleta e o sonhador é muitas vezes levado a cometer imaginariamente atos anti-sociais. Felizmente, os impulsos do córtex adormecido morrem a caminho dos órgãos efetores e nada de mal acontece. Depois de um despertar súbito, mesmo as pessoas normais podem ficar confusas e agir de forma desordenada durante algum tempo (11).
Movimentos Corporais Durante os Sonhos
Alguns dos movimentos corporais estão relacionados com o conteúdo do sonho. Edward Wolpert, da Universidade de Chicago, prendeu eletrodos aos membros de sujeitos adormecidos e registrou os potenciais elétricos de ação (força exercida em uma partícula eletricamente carregada) dos músculos. O registro de um de seus sujeitos mostrava uma sequência de atividade motora primeiro na mão direita, depois na esquerda e finalmente nas pernas. Acordado imediatamente depois, o sujeito relatou que sonhara ter levantado um balde com sua mão direita, transferindo-o para a mão esquerda e então começado a andar. Extendendo-se ao sonambulismo, ele especula que este distúrbio pode ser uma expressão extrema de tal defluxo motor para as extremidades.
A Natureza Evolutiva dos Sonhos
Jonathan Winson (16) sugere que os sonhos refletem uma estratégia individual para a sobrevivência. Para ele, a natureza do sonho REM sustenta um argumento evolutivo. Durante o dia, os animais processam informação em seus cérebros para poderem andar e movimentar os olhos, no caso de se alimentarem, se defenderem contra predadores, etc. Durante a noite, ao processar novamente aquelas informações durante o sono REM, tal reprocessamento não seria facilmente separado da locomoção, pois isto demandaria uma grande revisão da circuitaria cerebral. Então, para manter o sono, a locomoção deve ser suprimida inibindo neurônios motores (aqueles que promovem a locomoção). Os movimentos oculares, por sua vez, não necessitam ser suprimidos porque sua atividade não atrapalha o sono.
Outras teorias sustentam que os sonhos podem refletir um mecanismo de processamento da memória herdado de espécies inferiores, no qual a informação importante para a sobrevivência reprocessada durante o sono REM é necessariamente sensorial (9). De acordo com nossos ancestrais mamíferos, os sonhos em humanos são sensoriais, principalmente visuais. O cego congênito tem sonhos auditivos, e aqueles que perdem esse sentido, gradualmente perdem a habilidade de sonhar visualmente.


Neurobiologia dos Sonhos: Atividade Elétrica
As evidências neurofisiológicas indicam que o sono não se constitui apenas em uma espécie de repouso cerebral, mas também em estágios distintos de atividade neuronal.
Aproximadamente 90 minutos após o início do sono, várias mudanças fisiológicas abruptas podem ocorrer. O EEG se torna desincronizado, mostrando baixa-voltagem, um padrão de atividade rápido, similar, mas não idêntico, àquele do estado de alerta. Como resultado, este estado de sono tem também sido chamado de sono paradoxal, sono ativo, e sono desincronizado.
Os estágios básicos do sono, por convenção, são divididos em dois tipos principais: REM (Rapid Eyes Movement, o sono dos sonhos) e Não REM (NREM). Estes dois tipos são geralmente quebrados em cinco estágios: um, dois, três, quatro e REM. Em cada estágio, as ondas cerebrais se tornam progressivamente maiores e mais lentas, e o sono se torna mais profundo. Após alcançar o estágio 4, o período mais profundo, o padrão se reverte e o sono se torna progressivamente mais leve até o sono REM, o período mais ativo, ocorrer.
Este ciclo ocorre tipicamente aproximadamente uma vez a cada 90 minutos. Aproximadamente 75% do sono total é gasto em sono não-REM. Uma boa noite de sono depende do equilíbrio apropriado destes componentes.
Quando o indivíduo torna-se sonolento, as ondas alfa e beta vão gradualmente cedendo espaço para outras ondas de baixa amplitude conhecidas como ondas teta (quatro a sete por segundo). No sono leve, as ondas teta predominam e há o aparecimento dos chamados fusos do sono (feixes de atividade elétrica sincronizada de 12 a 17 HZ).
À medida que as fases se sucedem, o sono torna-se cada vez mais profundo, e o indivíduo torna-se cada vez menos reativo aos estímulos sensoriais.



Electrophysiological Activity of Sleep
O que são "ondas" cerebrais?
No cérebro, a somatória da atividade elétrica de milhões de neurônios, principalmente no córtex, podem ser observadas no eletroencefalograma (EEG), um aparelho que registra a atividade elétrica das células do cérebro durante os diversos estados em que se encontra uma pessoa, desde a vigília até o sono profundo.
As células nervosas apresentam diferenças de potencial elétrico em relação ao líquido em que está mergulhada. Potencial de ação refere-se a uma breve flutuação de cargas elétricas na membrana do neurônio, causada pela rápida abertura e fechamento de canais iônicos dependentes de voltagem (fluxo de íons).
Potenciais de ação percorrem como ondas os axônios dos neurônios, para transferir informação de um lugar a outro no sistema nervoso. Uma onda pode ser de alta ou baixa amplitude (voltagem) e alta ou baixa frequência (regularidade).
Ondas beta (baixissima amplitude, alta frequência; 13 a 30 ondas/seg)Pessoa acordada e ativa (em estado de vigília). São as ondas mais rápidas e sinaliza um córtex ativo e intenso estado de atenção. Registro irregular (dessincronizado).
Ondas alfa
(baixa amplitude, 
8 a 13 ondas /seg)
Pessoa acordada e relaxada, com os olhos fechados. Os neurônios estão disparando em tempos diferentes. Registro regular (sincronizado).
Ondas Teta (baixa-média amplitude, spike-like waves; 3-7 ondas/seg)Pessoa sonolenta ou adormecida, sono de transição. It can be observed in hippocampus. Theta rythm is also oberved in REM sleep. Because the hippocampus is involved in memory processing, the presence of theta rythm during REM sleep in that region of the brain might be related to that activity.
Ondas delta (alta amplitude, baixa frequência; 3 ondas /seg)Pessoa em sono profundo. Os neurônios, os quais não estão engajados no processamento de informação, estão disparando todos ao mesmo tempo, portanto a atividade está sincronizada. As ondas são grandes e lentas.
Rem
60 a 70 ondas/seg
Maximal retraction of the pupil and nictating membrane accompany the volleys of ocular movements


Estágios do sono durante uma noite, dividido em ciclos.Uma noite típica de sono consiste da repetição de 90 a 110 minutos do ciclo do sono REM e não-REM. O tempo gasto no sono REM é representado pela barra azul-clara. O primeiro período REM é geralmente curto (5 a 10 min), mas ele tende a aumentar nos ciclos sucessivos. Da mesma forma, os estágios 3 e 4 , os quais, juntos, são frequentemente chamados como "sono delta", é onde dominam o período de sono de ondas baixas no primeiro terço da noite, mas frequentemente são completamente ausentes durante os últimos ciclos ocorridos de manhã. (Baseado em Kelly,10).
O eletroencefalograma (EEG) mostra os padrões de atividade elétrica durante os diferentes estágios do sono. As ondas cerebrais de uma pessoa alerta e de uma pessoa com sono REM - Rapid Eye Movement (quando os sonhos ocorrem) são similares em frequência e amplitude. No sono não-REM (estágios 1, 2, 3 e 4), as ondas têm uma amplitude maior e uma frequência mais baixa, indicando que neurônios no cérebro estão disparando mais lentamente em um rítmo sincronizado.


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Neurobiologia dos Sonhos: Mecanismos Neurais


Fig.1. a formação reticular do tronco endefálico. Em rosa: Parte da formação reticular do tronco encefálico cuja estimulação induz excitação. Vias sensoriais ascendem da medula espinhal e tronco encefálico para áreas somestésicas do córtex. A formação reticular contém projeções que influenciam o hipotálamo, e, ao nível do tálamo, diverge para distribuir impulsos difusamente através de todas as áreas do córtex. A formação reticular, recebendo impulsos sensoriais visuais, auditivos
táteis, olfativos - suficientes do
ambiente, estimula o córtex cerebral com
impulsos ativadores que são necessários
para alertá-lo. Lesão da formação reticular pode induzir ao estado de sono. (Modificado deLevingston, 1967).
Nos animais superiores e no homem, a alternância dos estados de vigília e sono se dá em virtude da existência de estruturas nervosas especiais.Rem sleep, o "sono dos sonhos", é completamente diferente do sono não-REM. O córtex neste estado é tão ativo quanto no estado de alerta. O córtex não é necessário para a produção de REM, mas certamente é requerido para a elaboração dos sonhos.
A atividade cerebral durante o sono REM começa na ponte, uma estrutura no tronco encefálico e regiões mesencefálicas circundantes. A ponte envia sinais aotálamo e ao córtex cerebral, o qual é responsável pela maioria dos processos do pensamento. Ela também envia sinais à medula espinhal para "desligar" neurônios motores ali localizados, causando uma paralisia temporária que previne o movimento.
Alguns pesquisadores usaram tomografia por emissão de pósitrons (PET) para estudar o estado cerebral associado com sono REM em humanos (Maquet et al, 1996 - da Internet). Os resultados mostram que o fluxo sanguíneo localizado está correlacionado com o sono REM nas seguintes estruturas:
  • tegmento pontino (fibras nervosas que são contínuas com a formação reticular da medula e mesencéfalo)
  • tálamo esquerdo (uma grande massa ovóide localizada no diencéfalo)
  • complexo amigdalóide (massa cinzenta situada na porção medial do lobo temporal)
  • córtex cingulado anterior (massa cinzenta localizada na margem medial do hemisfério cerebral)
Dado o papel do complexo amigdalóide na aquisição de memórias influenciadas emocionalmente, o padrão de atividade na amígdala e áreas corticais fornece uma base biológica para o processamento de alguns tipos de memória durante o sono REM.



Mecanismos Bioquímicos do Sono REM
Cientistas encontraram que a fase REM é estreitamente relacionada à atividade de certos grupos de células nervosas liberando substâncias químicas cerebrais que permitem a comunicação de um neurônio com outro. Pesquisas sobre estes grupos de células especializadas está ajudando cientistas a desenvolver tratamentos específicos com drogas para distúrbios do sono.
O cérebro tem várias coleções de neurônios, cada um usando um neurotransmissor particular e fazendo conexões difusas. Estas células executam funções regulatórias influenciando um grande número de neurônios pós-sinápticos na medula espinahl, tálamo, córtex cerebral, e assim por diante, tal que eles podem se tornar mais ou menos excitáveis.
Diferentes sistemas (tais como noradrenérgico, serotonérgico and colinérgico) parecem ser essenciais para o estado metabólico, motivação, controle motor, memória, etc.
Em seu artigo, Hobson (bear, 1996) escreveu que a mais surpreendente observação que ele e seus colaboradores fizeram, foi que o locus coeruleus noradrenérgico e os neurônios da rafe serotonérgicos "desligam" no sono REM (tabela 1). Este achado foi uma surpresa porque sempre se pensou o contrário. Para ele, estava claro que estes dois sistemas aminérgicos sustentavam o alerta e não o sono, como tinha sido teorizado. O sono REM poderia ser desencadeado por estimulação colinérgica da formação reticular.
Noradrenérgico(Locus coeruleus)Serotonérgico(nuclei da Rafe)
Colinérgico(córtex, núcleo septal,
striatum)
Alerta
Ligado
Ligado
Inibido
REM
Desligado
Desligado
Desinibido



Tabela 1. Atividade diferencial de subsistemas neuroquímicos do tronco encefálico no estado de alerta e no sono REM. As taxas de disparo dos dois grandes sistemas na parte superior do tronco encefálico, o locus ceruleus e o núcleo da rafe, "desligam" o sono REM, isto é, diminuem para quase nada durante o sono REM. Entretanto, existe um aumento de disparos de neurônios contendo acetilcolina na ponte, e algumas evidências sugerem que os neurônios colinérgicos induzem sono REM. É provavelmente a ação da acetilcolina durante o sono REM que promova uma ação do tálamo e do córtex muito similar àquela durante o estado de alerta (Bear44). Períodos REM são terminados quando a noradrenalina e a acetilcolina começam a disparar novamente.

Por que não Atuamos Durante os Sonhos?
Imagine que 'catastrofe' não seria, quando, ao dormirmos e sonharmos, não tivessemos mecanismos cerebrais que inibissem nossos movimentos e ação!
Quando estamos dormindo, nós possuímos um mecanismo adaptativo que nos protege de injúria contra nós mesmos contra outras pessoas. Os mesmos mecanismos do tronco encefálico que controlam os processos do sono na parte frontal do cérebro, também inibem os neurônios motores espinhais, prevenindo assim, a atividade motora descendente, de expressar movimentos.


Sistemas que inibem o movimento durante o sono REM. A. No sono REM normal, a ponte inibe o feixe lateral motor (não mostrado aqui, veja próxima figura). O resultado é uma paralisia completa. B. No sono REM sem paralisia (em casos de lesão ou tumor), as lesões quebram as conexões da ponte ao feixe locomotor lateral e centro medular. Tradução: Brain stem= tronco encefálico. Pons= Ponte. Medulla=Bulbo. Excitate= Excitam. Medullary Inhibitory Area= ärea Inibitória Medular. Muscles=Músculos.


No sono REM, a ponte é ativada, excitando
a área inibitória medular por projeções (trato tegmento reticular), o qual conecta a ponte ao centro inibitório. O centro medular inibe os neurônios motores e promove a atonia (paralização dos movimentos)

O feixe locomotor lateral, abaixo da parte externa do tronco encefálico, exibe um importante papel na redução do drive motor. Ele é conectado às estruturas da medula espinhal. No sono REM, a ponte estimula a zona inibitória, desligando o feixe locomotor e impedindo a ação do movimento. Tradução: Cerebral Cortex= Córtex Cerebral. Thalamus= Tálamo. Pons= Ponte. Medulla= Bulbo. Tegmento-reticular tract= Trato tegmento-reticular. Motor neurons= Neurônios motores. Lateral Locomotor Strip= Feixe Locomotor Lateral
Pessoas que atuam durante seus sonhos, apresentam um raro distúrbio conhecido como Distúrbio do Sono REM. Estas pessoas frequentemente se injuriam a si próprias ou pessoas próximas a elas. A base para este distúrbio parece ser a desconecção de sistemas no tronco encefálico que medeiam a atonia (Bear e al.).


Lesoões experimentais em certas partes da ponte podem causar uma condição similar em gatos. Durante os períodos REM, eles parecem estar caçando camundongos, ou investigando intrusos invisíveis.


Os animais sonham?
De acordo com registros eletroencefalográficos dos estados do sono de animais, é possível acreditar que alguns animais sonham.
O sono REM, o "sono dos sonhos", têm sido registrado na maioria dos mamíferos estudados, por exemplo, entre ratos, gatos, cães, macacos, gambás e elefantes e também em aves (Britânica, 307). Dos mamíferos, somente a equídna (animal semelhante ao porco espinho) não apresenta sono REM (Alison et al., 1972, BN 615).
Pelo fato do sono REM ter sido observado em mamíferos e aves, mas não em répteis, Jouvet sugeriu que o sono REM pode ser um processo filogenético relacionado aos animais de "sangue quente".
O sono REM aparece aproximadamente a cada 90 minutos em seres humanos e aproximadamente a cada 25 minutos em gatos. Cada episódio dura por vários minutos.
Porcentagem comparativa de alerta e sono REM em alguns animais (Based on Rojas-Ramirez and Drucker-Colin, 1977 BN, 615)
SujeitoAlertaREM
Gato42.315.5
Vaca82.61.6
Gambá19.223.3
Macaco Squirrel17.022.9
Echidna64.20
Homem60.6-76.36.6-10.6

Por que alguns animais dormem pouco?


A quantidade de sono nos animais é inversamente relacionada ao grau pelo qual as espécies devem lidar com o perigo predatório, ou seja, as espécies vulneráveis a predadores tendem a dormir menos (Allison e Circhetti, 1976, BN 615). Este fato não é surpreendente, desde que pode-se observar que os animais são altamente responsivos ao ambiente externo mesmo durante o sono profundo. Alguns animais grandes como os elefantes, vacas, cavalos, jumentos, também dormem pouco e isto pelo fato de eles gastarem grande quantidade de tempo fazendo estocagem de alimentos.

Nós precisamos sonhar?
Ainda não se sabe se precisamos sonhar ou não, mas é evidente que o corpo requer sono REM. Kelly (10) argumenta que a privação de REM não causa psicoses, comportamentos bizarros, ansiedade ou irritabilidade, como foi afirmado por muitos pesquisadores, desde que ele observou que sujeitos privados do sono REM por um período de 16 dias não mostraram sinais de distúrbios patológicos sérios.
De acordo com o pesquisador, o efeito mais importante da privação de REM, é uma mudança dramática em padrões subsequentes quando o sujeito é permitido dormir sem interrupção. Um encurtamento do sono REM por várias noites, é seguido por início prematuro, longa duração e frequência aumentada de períodos REM (10). Quanto maior a privação, maior e mais amplo será o efeito REM. A existência de um mecanismo compensatório ativo para a recuperação de sono REM perdido ou suprimido sugere que o sono REM é fisiologicamente necessário.
Webb (1985), encontrou que perda de mais que 48 horas de sono tiveram pouco efeito sobre a precisão dos atos e tarefas de processamento cognitivo, enquanto que medidas de atenção foram afetadas. A performance pode ser devido mais a fatores motivacionais do que componentes cognitivos.
Lugaresi et al (1986) reportaram um o caso de um homem que, gradualmente, começou a dormir menos e menos; ele apresentava inabilidade em se concentrar, falhas intelectuais, desorientação. Quando ele morreu, seu cérebro foi verificado e foi encontrado que ele tinha uma condição herdada que causou uma degeneração do tálamo.



Autor: Dra. Silvia Helena Cardoso, Psicobióloga, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. É professora convidada e pesquisadora associada do NIB/UNICAMP , editora-chefe e idealizadora da Revista "Cérebro & Mente".


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