quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Relação Neuropsicológica Mãe-Bebê na Depressão Pós-Parto

Resumo: Este trabalho teve como objetivo fazer uma pesquisa bibliográfica sobre a relação neuropsicológica mãe-bebê na depressão pós-parto. Considerando que, apesar de ser um assunto muito abordado, pouco tem sido desenvolvido em termos de construção teórica sobre a relação mãe-bebê. Utilizamos a pesquisa bibliográfica, devido ao seu caráter exploratório que nos favoreceu compreender o fenômeno na sua complexidade e suas peculiaridades em relevância ao tema. Concluímos que fatores biológicos, obstétricos, psicológicos e sociais podem contribuir para a precipitação do quadro de depressão pós-parto que, por vezes, tem uma apresentação atípica, na medida em que a tristeza e a angústia da mãe tendem a ser minimizadas diante dos cuidados intensivos dispensados ao bebê.
Palavra-chave: Depressão pós-parto; neuropsicologia; relação mãe-bebê.

Introdução

O presente artigo aborda a depressão pós-parto, partindo do interesse de compreender a interação mãe-bebê, bem como sua relação com o desenvolvimento posterior da criança, representando esta como uma área de grande interesse entre os pesquisadores do desenvolvimento infantil e também a análise dos fatores neuropsicológicos envolvidos na depressão pós-parto.
As investigações conduzidas nesse sentido de pesquisa bibliográfica têm enfatizado tanto as contribuições maternas quanto as do próprio bebê para a qualidade da interação (Brazelton, 1988; Klaus & Kennel, 1993; Klaus, Kennel & Klaus, 2000). Dentre os fatores que contribuem com o processo interativo, o papel exercido pela depressão pós-parto tem sido abordado por inúmeras investigações nas últimas décadas, devido às evidências de que o estado depressivo da mãe pode repercutir negativamente no estabelecimento das primeiras interações com o bebê e, em conseqüência, no desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da criança (Cummings & Davies, 1994; Dodge, 1990; Field, 1998; Tronick & Weinberg, 1997).
No entanto, evidências mostram que, muitas mulheres permanecem com os sintomas por um período prolongado enquanto outras iniciam o quadro depressivo mais tardiamente no primeiro ano após o parto. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo contribuir para o estudo da interação mãe-bebê, examinando as investigações que ressaltaram o papel da depressão pós-parto e a relação mãe-bebê. Iniciando com algumas características da depressão pós-parto e alguns fatores neuropsicológicos associados à sua ocorrência. Sendo feitas também, considerações a respeito do impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Revisando assim, suas implicações para o desenvolvimento infantil. Mesmo as formas mais brandas de depressão materna podem afetar o bebê, uma vez que ele consegue perceber as mínimas deficiências na contingência no comportamento materno. Dessa forma, o estado depressivo da mãe pode repercutir negativamente nas primeiras interações com o bebê e, consequentemente, no desenvolvimento da criança.

1. Depressão

1.1. Conceito

Síndrome psicopatológica caracterizada por abatimento físico ou moral (tristeza, desolação, perda de interesse, perda de amor-próprio), múltiplas queixas somáticas (insônia, fadiga, anorexia), atraso motor ou agitação e, sentimentos de abdicação que são freqüentemente acompanhados de idéias agressivas (ou tentativas) de suicídio. É um dos componentes da psicose maníaco-depressiva. (DALGALARRONDO,2000)
A depressão pode variar de um abatimento brando ou sentimento de indiferença até um desespero sem esperança. Na síndrome depressiva mais branda, o paciente se mostra quieto, contido, inibido, infeliz, pessimista e autodepreciador, demonstrando uma sensação de lassitude, inadequação, desencorajamento e desesperança (CABRAL & NICK,2006:73). A pessoa fica incapaz de tomar decisões e experimentar dificuldades diante das atividades mentais habitualmente fáceis, acha-se excessivamente preocupado com problemas pessoais. Algumas pessoas deprimidas mostram-se petulantes, impertinentes e desconfiadas. Na depressão maior, existe uma tensão desagradável constante sendo que toda experiência é acompanhada por sofrimento mental e o paciente está impenetravelmente absorto em torno de alguns aspectos da natureza melancólica e suas atitudes e comportamento demonstram desânimo e desespero.
A depressão tem suas raízes no sentimento de culpa inconsciente, oriundo de relações interpessoais, talvez de ambivalência e hostilidade inconsciente com impulsos rancorosos e agressivos, dirigidos contra pessoas que são os objetivos de uma obrigação não desejada.
O início de um estado mais crítico da depressão pode assemelhar aos estados depressivos, mas o abatimento inicial logo se transforma em uma profunda angústia depressiva. A postura, as tensões musculares e vários sinais e sintomas físicos apresentam um quadro composto indicador de depressão. Podemos diagnosticar a depressão, após ter levantado a hipótese pelo histórico: exame físico, exame do estado mental ou resposta a um questionário clínico. Devendo então o profissional ao qual o paciente foi encaminhado, entrevista-lo de maneira atenta para estabelecer que tratamento será mais adequado ao mesmo. Uma vez que os sintomas vegetativos da depressão podem também ser causados por doenças não-psiquiátricas e medicamentos, o diagnóstico da depressão não deveria se embasar somente na presença de fatores como fadiga, insônia e anorexia. Procuram-se também, por critérios cognitivos e afetivos como falta de atenção concentrada, sentimento de desesperança ou desvalia, humor deprimido e anedonia.
Após o diagnóstico o médico deverá encaminhar os pacientes com depressão a psiquiatras nas seguintes situações: risco de suicídio, necessidade de hospitalização, falha de um período de experiência adequado com antidepressivo, comorbidade médica ou psiquiátrica complicada, suspeita de necessidade para medicação e psicoterapia combinadas e avaliação para farmacoterapia.  O psiquiatra pode manejar o episódio agudo e encaminhar o paciente ao psicólogo para tratamento de manutenção. Alternativamente, os dois clínicos podem escolher trabalhar em conjunto com pacientes que apresentam comorbidade médica e psiquiátrica complicada.

1.2 - Depressão pós-parto

A gravidez é um estado psicofisiológico da mulher que gerando um filho, pode tornar-se fonte de alegria ou de angústia. No plano psicológico, a mulher vê ressurgir certos problemas de sua infância ligados à qualidade de sua relação com sua mãe. As duas se tornaram iguais, mas, segundo a maturidade afetiva da mãe, tal situação pode ser acompanhada de sentimentos particulares (culpabilidade, rivalidade, etc). O anúncio da primeira gravidez desperta em certas mulheres uma satisfação extraordinária que a análise psicológica permite relacionar, às vezes, a um complexo de castração até então, não resolvido (KLEIN, M. 1970). No entanto, as condutas baseadas somente nos aspectos físicos não são suficientes. Elas necessitam ser potencializadas, especialmente pela compreensão dos processos psicológicos que permeiam o período grávido-puerperal, notadamente, no caso de gestantes adolescentes que, pelas especificidades psicossociais da etapa evolutiva, vivenciam sobrecarga emocional trazida pela gravidez. Hoje, os aspectos emocionais da gestação, do parto e do puerpério são amplamente reconhecidos, e a maioria dos estudos converge para a idéia de que esse período é um tempo de grandes transformações psíquicas, de que decorre importante transição existencial.
Encontra-se na depressão pós-parto entre extremos de tristeza puerperal e na psicose pós-parto que se desenvolve em 10 a 20% das mulheres após darem à luz. Ao contrário da tristeza puerperal ou da psicose, a depressão pós-parto, tende a se desenvolver insidiosamente algumas semanas após o parto. Os sintomas de humor são mais sustentados e o curso da doença é tipicamente prolongado, incluindo acessos de choro, dificuldade de concentração, indecisão e tristeza profunda. Os pensamentos são caracterizados por temas de fracasso e inadequação caracterizando-se por sinais e sintomas físicos semelhantes aos de hipotireoidismo moderado a severo.  O corpo sofre: intolerância ao frio, fadiga, pele seca, processos mentais identificados, constipação e retenção hídrica são comumente relatados, frequentemente acompanhados por sintomas do hipotireoidismo, sendo que as pesquisas apontam para graus variáveis de disfunção pituitária e anomalias tireóideas relacionadas como fatores contribuintes no desenvolvimento da doença.  Após um parto normal, a distribuição de sangue para a hipófise diminui. Se o parto é complicado por choque (ex., hemorragia maciça), a hipófise anterior pode ser prejudicada por infarto. Neste cenário, a secreção de hormônios tróficos cessa. As glândulas endócrinas alvo falham, e as pacientes desenvolvem apatia profunda, sensibilidade ao frio, perda de libido, prejuízo de memória, letargia e afinamento de pêlos axilares e pubianos (SOIFER,1992).
Uma hipófise lenta pode comprometer o funcionamento endócrino. Após o parto, os níveis de tiroxina tendem a reduzir e permanecem em valores abaixo da média não-gravídica durante até um ano. Embora deprimido, o nível de tiroxina tende a se sobrepor à faixa de extensão normal, possivelmente mascarando o hipotireoidismo. O nível de hormônio estimulador de tireóide (TSH) usualmente é normal no hipotireoidismo de origem pituitária (hipotireoidismo secundário). Estudos de caso confirmam a ligação entre hipotireoidismo subclínico de origem pituitária e doença pós-parto (idem,1992).

1.2.1 - Fatores de risco para depressão pós-parto

Fatores hereditários e uma história progressiva de doença psiquiátrica é identificada como fatores de risco significativos para depressão pós-parto. Mulheres com episódios anteriores de depressão não – relacionados à reprodução, têm uma chance de 10 a 40 % de desenvolver esse quadro. Essas têm uma taxa de 50% de recorrência em gravidez subsequentes. Expectativas irrealistas ou idéias românticas sobre a maternidade, que inevitavelmente bate de frente com a realidade, podem predispor a mulher à depressão pós-parto. Recebendo uma orientação pré-natal antecipatória alertará a nova mãe para a tristeza puerperal e ajudando-a identificar os sintomas mais sérios que requerem atendimento especializado, pois, quanto mais cedo uma doença pós-parto é identificada, maior a oportunidade para a prevenção secundária. Mulheres com quadros de depressão ou psicose deveriam ser acompanhadas mais de perto. As estratégias de tratamento biológico disponíveis para depressão pós-parto, antidepressivos, em especial os seletivos para serotonina, parecem ter alguma eficácia nos sintomas visados, orientando aos cuidados que devem ser tomados para prevenir a intoxicação.
Baixas doses de medicamentos antipsicóticos deveriam ser incluídas quando sintomas de psicose estão presentes. Em mulheres sob risco para recorrência, drogas psicotrópicas para prevenir ou mitigar sintomas psiquiátricos graves, deveriam receber séria consideração. Mulheres com histórias de psicose puerperal deveriam receber lítio imediatamente após o parto, tendo como objetivo a obtenção rápida de níveis sanguíneos terapêutico. A excreção do lítio pode ser prejudicada pelas alterações hidroeletrolíticas do período pós-parto imediato. Em mulheres com depressão pós-parto não psicóticas anteriores, a medicação antidepressiva pode ser iniciada mais cedo do que o início do episódio anterior.
A maioria das pacientes tem dificuldade de aceitar o tratamento mesmo ele sendo necessário, pois, psicoterapia é necessária para prevenir sequelas psicológicas. É importante enfatizar os aspectos biológicos da doença pós-parto, que deveriam ser considerados uma complicação da gravidez com sintomas psiquiátricos relacionados a mudanças fisiológicas após o parto. Na terapia de grupo a troca de informações e experiências é útil para mulheres puerperais. Estudos demonstram que o apoio do pai influencia positivamente a recuperação de sua parceira como também o apoio familiar. É importante transmitir a noção de que a doença pós-parto tem um excelente prognóstico. 

2 - Relação Mãe-Bebê          

Para elucidar esse tópico se faz necessário citar a importância de alguns teóricos psicanalíticos precursores em valorizar a importância da mãe para o desenvolvimento do bebê. Eles também buscaram entender a psicodinâmica da relação mãe-bebê e muitos pesquisadores contribuíram para a investigação do papel da depressão pós-parto na interação mãe-bebê. Spitz (1979), ao tratar da relação entre depressão pós-parto e coprofagia, assinalou que a "perda" da mãe que entra em depressão não é uma perda física, como quando a mãe morre ou desaparece. Segundo o autor, trata-se de uma perda emocional, na medida em que a mãe, ao mudar sua atitude emocional, altera os signos que a identificavam como um "objeto bom" para a criança (Klein, M. 1970). E mesmo que a mãe se mantenha fisicamente como era o objeto afetivamente investido pelo bebê está perdido com a depressão, na medida em que a mãe mostra-se emocionalmente mais distante.
Introduzida a idéia da “preocupação materna primária” como um estado em que a mãe consegue enfatizar com as necessidades primárias do bebê e, assim, satisfazê-las adequadamente. Winniccott nomeou de “suficientemente boa” a mãe que consegue ter essa capacidade e valorizou sua importância para que o desenvolvimento mental do bebê possa se dar adequadamente. A preocupação materna primária está contida na função de holding (sustentação), com a qual o autor abrange não só a função de suporte físico, mas também a de suporte psíquico.
Foi criado o conceito de capacidade de reverie por Bion (PARKER, R. 1995) sendo uma função materna na qual a mãeutiliza seu “aparelho para pensar” ospensamentos do bebê, nomeando e significandoseus estados mentais e sensações, num períodoem que ele não tem recursos para fazê-lo, ou para fazê-lo adequadamente.Trazendo assim, um elo entreo que dizem esses teóricos psicanalíticos e abiologia, Bowlby (1973) possibilitou uma ponte entre essasduas áreas do conhecimento, permitindo que osachados de ambas enriquecessem nossoentendimento da relação mãe-bebê. Ele deu onome de sistema de apego às estruturasneuropsicológicas que conduzem à ligação dobebê com seu objeto cuidador. Esse sistemaemocional e comportamental foi concebido porele como inato e instintivo, muito semelhante afome e sede, constituindo-se num sistemaorganizador dos processos de memória do bebê,que o direciona a procurar proximidade ecomunicação com sua mãe.
Psicólogos experimentais Trevarthen & Aitken (1994) expandiram a compreensão desse sistema,propondo que certos grupos de neurôniosprogramados geneticamente configurem uma“formação motivacional intrínseca” (FMI), dandoorigem às capacidades do cérebro do bebê para a interação afetiva o apego do bebê é intersubjetivo e interpessoal. Seguindo a idéia dos autores, o sistema de apego, do ponto de vista evolucionista, aumenta as chances do bebê sobreviver, permitindo ao cérebro imaturo usar o funcionamento maduro dos pais para atender suas necessidades vitais. O vínculo materno adequado é crucial para o desenvolvimento do sistema de apego seguro, ao mesmo tempo em que, para ocorrer desta maneira, esse vínculo deverá ser alimentado pelo comportamento responsivo do bebê. O apego seguro do bebê com sua mãe ou cuidador(a) substituto(a) promove um bem estar no bebê, enquanto o apego inseguro está relacionado a um aumento de ansiedade.
A experiência interativa entre bebês e mães deprimidas foi caracterizada por Stern (1997) em termos de micro eventos, descritos como aqueles eventos triviais e de curta duração que causam um impacto momentâneo no bebê. Stern destacou o que uma mãe faz com os olhos e o rosto no exato momento em que seu bebê lhe dirige um sorriso.   A depressão torna-se familiar ao bebê na forma de muitos micro eventos repetidos, ou seja, quando as mães ficam deprimidas não ocorre uma mudança brutal, mas um processo progressivo de desligamento, o qual geralmente é parcial. Estar com uma mãe deprimida caracteriza-se por pelo menos quatro experiências subjetivas: a primeira se refere à já citada (do bebê de micro-depressão repetida), o que ocorre quando a mãe sob depressão rompe o contato visual com o bebê e não tenta restabelecê-lo (idem,1997).
Como se fosse um consolo para seus sentimentos de desorganização, a mãe busca um comportamento organizado no seu bebê. Brazelton & Cramer (1992) mostraram que até mesmo as formas mais brandas de depressão da mãe podem afetar o bebê, na medida em que ele percebe as mínimas deficiências na contingência no comportamento materno.  A partir do fracasso nas suas tentativas de ter a mãe emocionalmente presente, o bebê tenta a proximidade através da identificação e da imitação. A segunda experiência subjetiva a que se refere Stern (1997) é caracterizada pela vivência do bebê como um reanimador. Ela foi baseada em evidências de que o bebê, diante de uma situação de micro-depressão, tenta fazer com que a mãe volte à vida, o que muitas vezes funciona, já que a depressão materna não pode ser considerada total, nem tampouco constante. A terceira experiência subjetiva do bebê no sentido de estar com a mãe refere-se à visão que o bebê tem da mãe em segundo plano quando da sua busca de outras formas de estimulação, ou seja: se as tentativas de reanimar a mãe falham, o bebê parte em busca de um nível mais apropriado de estimulação e interesse no mundo. Por fim, a quarta experiência subjetiva de estar com uma mãe deprimida refere-se ao desejo do bebê de estar com a mãe não-deprimida. Este esquema de estar com a mãe não-deprimida tem como ponto de partida o esforço da mãe deprimida, geralmente manifestado em rompantes, para estar com o filho, onde o mesmo acaba por aceitar o que a mãe oferece.
Os resultados mostraram que mães deprimidas, quando comparadas às mães não deprimidas, gastam menos tempo olhando, tocando e falando com seus bebês, apresentam mais expressões negativas do que positivas, mostram menos responsabilidade contingente, menos espontaneidade e menores níveis de atividade, exibem menos afeto positivo e mais afeto negativo, menor nível de atividade, menos vocalização, costumam distanciar o olhar, apresentam mais aborrecimento, protestos mais intensos, mais expressões de tristeza e raiva, menos expressões de interesse e uma aparência depressiva com poucos meses de idade (Cohn, Campbell, Matias, & Hopkins, 1990; Field, 1984; Field et al., 1985; Field et al; 1988).  Já a depressão pós-parto contribui para que os comportamentos afetivos e de atenção da díade mãe-bebê tornem-se assincrônicos, na medida em que a mãe encontra-se afetivamente não-responsiva.
Diante das mães menos responsivas, expressivas, envolvidas e falantes, os bebês tendiam a se afastar fisicamente e apresentavam mais comportamentos negativos para chamar atenção. Quando as mães não estavam simulando afeto depressivo e afastamento, os bebês evidenciavam mais comportamentos positivos e brincavam mais próximos às mães. Há evidências de que, falhas no cuidado inicial devido à negligência, abuso físico e/ou psicológico estão associadas a alterações no padrão de apego para o desenvolvimento motor e mental dos bebês. Todavia, quando a depressão da mãe se estendeu até os seis meses do bebê (depressão crônica), mais freqüentemente na interação face a face, suas expressões foram compatíveis com raiva e irritação, e seu bebê chorava, gritava e se agitava mais. As mães com depressão crônica apresentavam menos contatos físicos, visuais e verbais na interação com seu bebê e no brincar, eram menos positivas e engajadas afetivamente do que aquelas cuja depressão havia sido relativamente transitória. Esses achados sugerem fortemente a necessidade de se distinguir entre depressão transitória e prolongada (protraída) em relação aos efeitos no desenvolvimento do bebê. 
As mães com depressão dupla apresentavam apego mais inseguro que os outros dois subgrupos. Assim, os autores supracitados concluíram, a partir de sua amostra, que as conseqüências da depressão materna variam dependendo do tipo, da severidade e da cronicidade da depressão. Freud descreveu o primeiro contato entre mãe e filho como modelo de narcisismo primário, isto é, como uma etapa do desenvolvimento da personalidade (KLEIN,M;RIVIERE, J.1970). O problema do sexo da criança adquire também grandes proporções, se, por exemplo, esperou-se e ambicionou-se muito um garoto, e nasceu uma menina, aparecerá uma depressão de características especiais. A psicose puerperal se caracteriza, como se sabe, pelo repúdio total ao bebê, onde a paciente não quer vê-lo, aterrorizando-se com ele, permanece triste, afastada como que ausente. A sensação dominante é de haver perdido a própria personalidade e ser uma mera escrava do bebê e do ambiente.
Quando a situação real é muito conflitiva, por desavenças conjugais, precária situação econômica, ou nos casos da mãe ser solteira e estar desamparada, o desejo de matar o recém-nascido pode adquirir grande intensidade; sua gênese é uma fantasia consciente, segundo a qual a criança sofre e sofrerá cada vez mais, e só a morte pode salvá-la.  Nesses casos Raquel Soifer (1992) diz que, a dinâmica inconsciente do infanticídio resulta da projeção da criança de uma parte do ego atacada e arruinada por um objeto interno implacável: a morte da criança, a luz dessa fantasia inconsciente, implica o modo de eliminar a dor e o terror, e ao mesmo tempo o objeto terrorífico. Outra forma de depressão é a maníaca, a puérpera se mostra alegre, vivaz, não se ocupa absolutamente do bebê, discorre como se nada tivesse acontecido e, a partir da segunda ou terceira semana, procura permanecer a mais afastada do filho, deixando-o aos cuidados de outrem.
A anormalidade se exprime por um estado de tensão permanente, irritabilidade e hiperatividade. A mulher que está se preparando para ter um filho por meio de uma leitura e aprendizagem de técnicas que podem permitir-lhes desfrutar de um parto normal tem menos probabilidade de sofrer os extremos de imprevisibilidade emocional do que aquela que ignora os processos envolvidos. Por mais que a mulher tenha sonhado em ter um filho, a realização do sonho para muitas é um choque, sendo também um acontecimento inteiramente desagradável, principalmente quando a criança é concebida acidentalmente, ou quando o casal está aprendendo a viver a dois. Tudo isso representa no mínimo uma súbita invasão em sua privacidade (PARKER,1995).
Quando a mulher não está preparada para ser mãe – sente-se incapaz de desempenhar tal papel. Está emocionalmente despreparada para a maternidade e pelo fato de estar grávida, chega às vezes a se odiar por isso. Sendo que só tinha visto esta função de mãe, em outras mulheres, mas agora a sua condição de mulher se impõe incessantemente forçada pela criança que cresce dentro de si, que ela desconhece imediata nada familiar e assustadora. Torna-se "portadora" de uma nova vida, um "receptáculo" para o bebê, como um "parasita" a sugar-lhe a vida (KITZINGER, S.1987).

2.1 – Os fatores neuropsicológicos na depressão pós-parto

O nascimento do primeiro filho tem sido considerado por muitos autores como um evento propício ao surgimento de problemas emocionais nos pais, como depressões, psicoses pós-parto e manifestações psicossomáticas (Klaus et al., 2000; Maldonado, 1990; Szejer & Stewart, 1997). A depressão comumente associada ao nascimento de um bebê refere-se a um conjunto de sintomas que iniciam geralmente entre a quarta e oitava semana após o parto, atingindo de 10 a 15% das mulheres incluindo sintomas como: irritabilidade, choro freqüente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, a sensação de ser incapaz de lidar com novas situações, bem como queixas psicossomáticas (Klaus et al., 2000). Os distúrbios do humor que caracterizam o período pós-parto incluem também a melancolia da maternidade (baby blues) e as psicoses puerperais (Souza, Burtet, & Busnello, 1997).  O distúrbio de labilidade transitória de humor é o primeiro quadro a se caracterizar, atingindo cerca de 60% das novas mães entre o terceiro e o quinto dia após o parto, porém geralmente tem remissão espontânea.
Alguns autores sugerem que, por vezes, os sintomas da depressão pós-parto, podem surgir em algum outro momento do primeiro ano de vida do bebê e não necessariamente nas primeiras semanas após o seu nascimento (Beck, 1991; Brown et al., 1994; Klaus et al., 2000; Murray, Cox, Chapman, & Jones, 1995).  De fato, uma série de estudos tem evidenciado uma associação entre a ocorrência da depressão pós-parto e o pouco suporte oferecido pelo parceiro ou por outras pessoas com quem a mãe mantém relacionamento (Beck, 2002; Beck, Reynolds, & Rutowsky, 1992; Brown et al., 1994; Deal & Holt, 1998; Kumar & Robson,1984; Pfost, Stevens, & Lum, 1990; Romito, Saurel-Cubizolles, & Lelong, 1999), o não planejamento da gestação, o nascimento prematuro e a morte do bebê (Kumar & Robson,1984), a dificuldade em amamentar (Warner, Appleby, Whitton,& Faragher, 1996), e a dificuldades no parto (Brown et al.,1994).
Crianças de pais deprimidos têm de duas a cinco vezes maiores possibilidade de desenvolver problemas emocionais e de comportamento (Dodge, 1990). O impacto da depressão pós-parto, de acordo com Cummings e Davies (1994), deve ser considerado dentro de um contexto familiar mais amplo, no qual atuam elementos interdependentes. Nesse sentido, o modelo de compreensão das implicações da depressão da mãe para o desenvolvimento infantil proposto pelos autores considerou as características maternas, as relações mãe-bebê, o funcionamento do casal e as características do bebê. Para os autores, o impacto da depressão na criança vai depender de como esta afeta o comportamento, a cognição e as emoções da própria mãe. Nesta perspectiva, a depressão afeta a criança pela alteração dos modelos de interação mãe-bebê ou pelo aumento da discórdia entre o casal, que tem efeitos negativos no desenvolvimento infantil. De qualquer modo, a criança não é considerada um recipiente passivo dos estímulos ambientais, mas, sim, um participante ativo na formação de suas trajetórias de desenvolvimento e nos efeitos dessas. Ressaltando também a importância da transmissão genética no desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais na criança, concebendo, no entanto, que outros mecanismos operam igualmente bem neste sentido: o ambiente e os efeitos da interação. Nessa perspectiva, a transmissão da psicopatologia dos pais para a criança ocorreria na medida em que a depressão parental leva a uma desorganização na parentalidade e no ambiente familiar, que, por sua vez, conduz ao funcionamento mal-adaptativo da criança. Algumas bibliografias apontam que mães que estiveram deprimidas dois meses após o nascimento foram menos sensíveis e atentas aos bebês aos dezoito meses. Além disso, mostraram-se menos afirmativas e mais negativas em relação ao desenvolvimento dos bebês, concluindo que a qualidade do apego era influenciada não só pela depressão materna após o nascimento do bebê, mas também pelas experiências da mãe sobre o seu próprio nascimento e a natureza do relacionamento dela com sua própria mãe. Os estudos revisados são consistentes ao afirmar que a depressão materna após o nascimento do bebê implica em importantes conseqüências para o desenvolvimento infantil, especialmente no que se refere à ocorrência posterior de problemas emocionais e de comportamento da criança.
Jones (et al.2000) demonstraram que bebês de mães deprimidas, uma ativação ao EEG da região frontal direita em relação à esquerda, já na primeira semana de vida do bebê, no primeiro mês e aos três meses. Dawson (et al.1999) examinaram a atividade elétrica cerebral de bebês de mães deprimidas com 13 e 15 meses de idade. Eles encontraram uma menor ativação frontal esquerda durante a gravação de base e as situações consideradas como deflagradoras de afetos positivos nos bebês de mães deprimidas em relação aos bebês controle. Em trabalho subseqüente, os autores observaram um mesmo padrão até os três anos dos bebês. Há estudos que demonstram que bebês inibidos podem exibir mais freqüentemente assimetria frontal direita quando comparados a bebês do grupo controle e que isso se deve tanto a maior atividade frontal direita quanto hipoatividade frontal esquerda (Silberman EK; Weingartner H.1986). A pesquisa tem confirmado essa associação e tem demonstrado alterações nos sistemas neuroendócrino e comportamental de crianças que sofreram privação e um estresse importante em termos de intensidade e tempo de duração no início do desenvolvimento demonstrando que a mãe deprimida freqüentemente não tem um padrão de cuidado do bebê, principalmente quando a depressão se estende por vários meses. A qualidade da interação parece ser influenciada de forma significativa pelo grau de gravidade, pela duração dos sintomas depressivos e pelo padrão comportamental da mãe com o bebê, se intrusivo, retirado ou adequado. O padrão de vínculo está associado a alterações no EEG, no eixo HPA, no SNV e no padrão comportamental dessas crianças.
Embora mecanismos genéticos possam ter um papel nessa associação, torna-se claro que devemos considerar a qualidade da interação mãe-bebê e a qualidade da maternagem como contribuintes importantes para o padrão de desenvolvimento neurológico. 

Considerações Finais

Pretendeu-se neste trabalho proporcionar, de forma muito sintética evidenciar que os quadros depressivos maternos no período pós-parto e ao longo do primeiro ano de vida da criança apresentam algumas particularidades, variando quanto à época de seu surgimento, sua incidência e em relação à severidade dos sintomas. Sabe-se que fatores biológicos, obstétricos, psicológicos e sociais podem contribuir para a precipitação deste quadro que, por vezes, tem uma apresentação atípica, na medida em que a tristeza e a angústia da mãe tendem a ser minimizadas diante dos cuidados intensivos dispensados ao bebê. Em função disso, o tempo de permanência do diagnóstico de depressão materna tem impulsionado a realização de pesquisas sobre a qualidade da interação mãe-bebê em períodos posteriores do desenvolvimento infantil, como, por exemplo, a partir do final do primeiro ano de vida, nessa idade, filhos de mães deprimidas tendem a mostrar menos engajamento na exploração de objetos, como também menor expressão de afeto positivo.
A atuação preventiva das equipes multidisciplinares nesse período pode proporcionar à nova mãe o apoio de que necessita para enfrentar os eventuais episódios de depressão. Mais do que isso, o atendimento precoce à mãe deprimida representa a possibilidade da prevenção do estabelecimento de um padrão negativo de interação com o bebê, o qual pode trazer importantes repercussões para o seu desenvolvimento posterior. Contudo, é importante assinalar que a presença da depressão em um determinado momento após o nascimento do bebê, por si só, não permite a realização de um prognóstico preciso a respeito de suas implicações na qualidade da interação que se estabelecerá entre a díade nos meses subseqüentes. Nesse sentido, faz-se necessária a realização de estudos que utilizem uma abordagem longitudinal a respeito da depressão pós-parto, a qual leve em conta os diversos fatores que podem contribuir para o seu prolongamento ou remissão. Espera-se que o presente trabalho possa estimular novos estudos e, principalmente, o desenvolvimento de estratégias precoces de intervenção que considerem as particularidades dos quadros depressivos observados a partir do nascimento de um bebê.

Eudócia Cerqueira Jericó - Psicóloga; Pedagoga; Terapeuta Sexual e  pós-graduada em Neuropsicologia.
Jecely Teixeira - Psicóloga e pós-graduada em Neuropsicologia.

Reabilitação Neuropsicológica em Lesão Cerebral Adquirida

Resumo: No presente artigo contemplaremos a reabilitação neuropsicológica em lesão cerebral, buscando conhecer quais mecanismos podem ser utilizados em função da restituição cerebral do indivíduo. O cérebro é um órgão dinâmico que se acomoda diariamente a novas informações e instruções que lhe chegam constantemente e em virtudes dessas características torna-se possível a reabilitação cerebral. Nosso objetivo é discutir sobre os mecanismos envolvidos no processo de reabilitação e Identificar aspectos considerados importantes nesse processo. Para a obtenção desses dados foram feitas pesquisas por meio bibliográficos e eletrônicos. A percepção desses pacientes a partir de um conjunto, abrangendo toda a diversidade do ser, é fundamental para a neurologia, neuropsicológica e para a psicologia, para que dessa forma às necessidades sejam atendidas e reorganizadas e esse paciente retome sua vida fazendo ou buscando fazer suas atividades triviais novamente.
Palavras-Chave: neuro-psicológia, Lesão cerebral, Reabilitação neuropsicológica, Neuropsicologia.
1. Introdução
A reabilitação neuropsicológica é citada em estudos antigos. Documentos trazem a data em 500 a.c, onde foram feitas tentativas de restituir através de tratamento alguma lesão cerebral. O cérebro é o órgão responsável por todas as atividades do corpo humano a qual através de suas sinapses e comandos são veemente desenvolvida, e esse desenvolvimento acontece também influenciado pelo ambiente, como cita Santos-monteiro:
Considerando- se que a interação de um indivíduo com o seu ambiente é feita através dos seus órgãos dos sentidos, podemos então entender que os estímulos sensoriais provenientes do ambiente exercem influência decisiva sobre o sistema nervoso, sobretudo durante o período de desenvolvimento rápido do encéfalo (2002, p.17).
Através de estudo comprovou-se que o cérebro pode ser dividido por áreas, onde cada uma é responsável por uma função, “[...] cada função cerebral estava estritamente relacionada a uma área do cérebro [...] (SANTOS-MONTEIRO, 2002, p. 17)”. Esse órgão é resultante da união entre a medula espinhal e nervos periféricos os quais formam um sistema de controle capaz de processar informações e desenvolver mecanismos de acomodação a novas situações. No entender de Pereira (2008 apud Damásio, 2008, p. 155) “o corpo contribui para o cérebro com mais do que a manutenção da vida e com mais do que os efeitos modulatórios. Contribui com um conteúdo essencial para o funcionamento da mente normal. Portanto, o cérebro é o comandante no funcionamento corporal.
Diante dessas capacidades o cérebro é reconhecido por uma característica singular, a plasticidade cerebral, que é caracterizada segundo a autora Agonilha como:   
[...] habilidade para modificar sua organização estrutural própria e funcionamento [...] que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência, e como adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos (2011).
Ou seja, o cérebro possui uma capacidade adaptativa onde cada nova experiência do sujeito é correspondente a cada situação. Em virtude desse fato o cérebro possui uma capacidade de recuperação diante de uma lesão tornando possível sua reabilitação diante de algum trauma. A esse respeito Haase traz que:
A reabilitação é, portanto, a medida terapêutica mais importante no caso de doenças crônicas e envolve idealmente uma equipe multiprofissional, dada a complexidade das questões envolvidas. A reabilitação é um processo que envolve o trabalho colaborativo com outros profissionais, de pedagogia, fonoaudióloga, terapia ocupacional, fisioterapia, psicologia etc. (2006).  
Diante da lesão e do seu grau, a reabilitação do paciente será feita com um trabalho multiprofissional, se estendendo e aplicando-se as áreas afetadas da lesão. Para que esses sejam atingidos, é feito uma avaliação sobre o trauma que o individuo sofreu e sobre que profissionais e que técnicas podem ser utilizadas no tratamento do sujeito. “[...] o tratamento pode ser modificado ou alterado em resposta a uma informação observada. (PONTES, 2007, p. 08)”. Portanto, de acordo com o tratamento é observado também se o seu objetivo está sendo atingindo, caso não esteja, é feito uma modificação no tratamento, para que seja mais adequado ao que o paciente necessita.
2. Desenvolvimento
O cérebro é um órgão de vital importância no organismo humano. O gerenciamento e o processamento de informações, assim como a tomada de decisões pelo corpo são tarefas que um cérebro saudável e em funcionamento normal podem realizar. As sensações, os sentimentos agradáveis ou desagradáveis, as necessidades corporais, a regulação do equilíbrio, postura, a satisfação, a dor, o prazer, todas essas funções estão ligadas ao cérebro.
O processamento de informações cerebrais divide-se em diferentes regiões, cada uma abrange características específicas para o gerenciamento dos dados adquiridos ou armazenados. Santos-Monteiro (2002apud Kandel) declara que:
São clássicas as observações clínicas e anatomo-patológicas feitas em indivíduos acometidos por lesões cerebrais publicadas em 1861 por Broca, citado por Kandel et al. (1995: 631). Esse autor constatou que havia uma correlação estreita entre as áreas cerebrais lesadas e a perda de determinadas funções e particularmente da fala. Tais evidências serviram de firme suporte para a hipótese da chamada "localização funcional" no cérebro. Os defensores dessa hipótese propunham que cada função cerebral estava estritamente relacionada a uma área do cérebro e que, uma vez lesada determinada área, não mais haveria possibilidade de recuperação da função perdida. Contudo, observações clínicas de recuperação parcial de funções em pacientes com danos cerebrais já eram, desde essa época, reconhecidas. Esses dados se contrapunham portanto às hipóteses "localizacionistas" predominantes oriundas das pesquisas de Broca e, assim, os estudos sobre a recuperação de funções cerebrais foram por muito tempo ignorados. Não obstante, réplicas experimentais das evidências clínicas acima citadas foram realizadas em animais de laboratório, verificando-se finalmente que o tecido cerebral lesado pode modificar-se ao longo do tempo recuperando funções perdidas. (p. 17)
De acordo com o autor observou-se portanto que, mesmo após a lesão de uma área específica do cérebro, outra região passa a desenvolver a atividade comprometida, dessa forma, percebe-se a plasticidade cerebral, onde uma área fica incumbida de realizar a tarefa que antes pertencia à área afetada.
Para entender e atuar no processo de reabilitação é necessário observar, adaptar, examinar, e levantar dados relevantes como idade, sexo, modo de lesão, e até uso de técnicas e aparatos que auxiliem e estimulem o novo processo adaptativo, assim como traçar metas, acompanhar e promover no sujeito, alternativas que facilitem o processo de reabilitação. A precisão e o tratamento precoce aumentam as expectativas de uma reabilitação bem-sucedida.
O ponto fundamental na reabilitação deve ser o funcional, de forma a procurar centrar as ações da reabilitação nos ganhos funcionais do cliente, pois todo o treino deve refletir e ser utilizado na vida prática. O sujeito deve desenvolver estratégias para suprir o que falta, adaptar-se as novas formas de execução de tarefas corriqueiras e lidar com novas limitações. Deve ser priorizado no tratamento o que o cliente decidir, ele deve direcionar, ou demonstrar o que é importante aprender naquele momento. A prática deve ser baseada nos valores do cliente e em suas escolhas quando possível.
A facilitação do processo deve se realizar no intuito de ampliar a visão do cliente o máximo possível, dando suporte para ele examinar riscos e conseqüências, valorizar pequenas conquistas, o sucesso, mas também preparar para falhar e conseguir correr o risco. Deve-se respeitar o estilo próprio de cada um lidar com mudanças.
É importante guiar os clientes e familiares para identificação das necessidades de tratamento, para a participação da tomada de decisões em terapias e no planejamento de programas. O profissional deve ter comunicação clara e aberta, trabalhar com a verdade e prover informações, proporcionando ao indivíduo a capacidade de fazer escolhas. Torna-se necessário engajar o cliente nos seus pontos fortes, e sempre que possível mostrar o potencial e utilizar isso na sua fraqueza.
O papel principal do terapeuta é diminuir o impacto das dificuldades na vida do cliente. Quanto mais afetamos a vida do cliente mais resultados serão alcançados. As intervenções precisam ser discutidas antes de acontecerem, e todos devem concordar com os termos do trabalho. A sistemática de reabilitação, o encaminhamento, a avaliação, a identificação e negociação dos objetivos, a seleção de abordagens e métodos de intervenções, o estabelecimento de um cronograma, o estabelecimento de um plano de ações, as implantações das intervenções de reabilitação e a avaliação dos resultados devem ser passos dados acompanhados e decididos em conjunto com o terapeuta, o cliente e familiares.
A reabilitação neuropsicológica em lesão cerebral adquirida é o objetivo deste trabalho, onde se busca esclarecer formas para um melhor entendimento da neuropsicologia e das questões em pauta. De acordo com Pontes:
A neuropsicológica é uma área relativamente nova. Os avanços na área de reabilitação neuropsicológica começaram a ocorrer após a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, período no qual os cientistas passaram a empregar esforços para compreender como os diferentes tipos de lesões influenciavam o comportamento humano e como se poderia remediá-los (2007, p. 07).
Segundo Dalgalarrondo (2008), a neuropsicologia surge para investigar as relações entre as funções psicológicas e a atividade cerebral, e se interessa pelas funções cognitivas: memória, linguagem, raciocínio, habilidades visuoespaciais, reconhecimento, capacidade de resolução de problemas; alterações como afasias(perda da linguagem), agnosias (perda da capacidade de reconhecimento), amnésias (déficits de memória) e apraxias (perda da capacidade de realizar gestos completos).
A tentativa de restabelecer a parte lesionada do cérebro vem de muitos anos atrás, e é evidente que esse foi o pontapé inicial das varias técnicas e atuações desenvolvidas atualmente.  ”As técnicas de reabilitação [...] são mais eficazes na manutenção da independência funcional, qualidade de vida e promoção do desenvolvimento [...]” (HASSE, 2006). Portanto, o tratamento do paciente é feito na tentativa de atingir e alcançar uma visão biopsicosociocultural e físico, através de estratégias, estímulos de atividade social, psicoterapia, trabalho em grupo entre outras, tornando-o suficiente para retomar sua vida e executar as tarefas que lhe são necessárias no dia-a-dia.
A reabilitação possui estratégias renovadoras no tratamento do sujeito com lesão cerebral, portanto, Pontes afirma que: “A reabilitação objetiva melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares, otimizando o aproveitamento das funções total ou parcialmente preservadas por meio do ensino [...]” (2007, p. 08). Nesse tratamento é necessário a colaboração e empenho da família do doente para que este tenha ganhos positivos no seu tratamento. “A reabilitação é um processo colaborativo no qual o cliente e sua família são membros da equipe” (HAASE, 2006).
Em contra ponto a reabilitação, a plasticidade cerebral é de extrema importância por que consiste no rearranjo, como fala Agonilha: “A cada nova experiência do indivíduo, portanto, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis (2011).” Esse rearranjo é possível através de estímulos capazes de promover diferenciadas respostas e ações.
O conceito de plasticidade cerebral surgiu a partir de pesquisas feitas com ratos de laboratório, como fala Santos-Monteiro em seu artigo Estimulação psicossocial e plasticidade cerebral em desnutridos:
[...] foram realizadas em animais de laboratório, verificando-se finalmente que o tecido cerebral lesado pode modificar-se ao longo do tempo recuperando funções perdidas. A partir desses achados foi estabelecido o conceito de plasticidade cerebral que, aliás já tinha sido proposto teoricamente por Hebb em 1949, citado por Rosenzweig e Bennett, (1996: 57) definida como sendo a capacidade de o tecido cerebral modificar sua organização e função frente a distúrbios patológicos ou a lesões precoces desse órgão ou, contrariamente, em conseqüência da ação de estímulos ambientais. (2002, p.17).
Portanto, a plasticidade cerebral está estritamente ligada à reabilitação, que vinculada à experiência, a memória e o aprendizado associam-se ao fortalecimento das sinapses, possibilitando novas conexões a partir do recrutamento de neurônios adjacentes (DALGALARRONDO, 2008). A forma como o cérebro se reorganizada frente a uma lesão, sua capacidade de retomar as funções antes lesadas, são essenciais para que se fale em reabilitação atualmente. “[...] os processos adaptativos de plasticidade do sistema nervoso, dão suporte para que sejam implementadas estratégias que ajudem a recuperação psicossocial de indivíduos [...] (Santos-Monteiro, 2002, p.20)”
Nessa vertente, a reabilitação busca atingir o paciente de uma forma geral, diligenciando ser suficiente em sua recuperação. Pontes (2007, p. 08), afirma que: “[...] a reabilitação neuropsicológica é mais ampla, pois, além de almejar tratar os déficits cognitivos, objetiva também tratar as alterações de comportamento e emocionais, melhorando a qualidade de vida do paciente”. Com a reabilitação, busca-se não somente a retomada das atividades que foram prejudicadas com aquela lesão, mas também, a melhoria da qualidade de vida, como um todo, procurando manter o paciente em um bem-estar psíquico e físico.
Vale destacar que experiências negativas como estresse prolongado, depressão, ansiedades graves e duradouras podem exercer efeitos não desejados sobre a plasticidade neuronal. “A liberação de adrenalina e de glicocorticóides endógenos (como o cortisol) após o estresse pode causar dano neuronal, principalmente no córtex pré-frontal e no hipocampo (regiões intimamente relacionadas ao aprendizado e à memória).” (DALGALARRONDO, 2008, p. 51).
3. Conclusão
A reabilitação neuropsicológica é tarefa que exige dedicação e perseverança de todos os indivíduos relacionados com o processo de tratamento, sejam eles terapeutas, equipe multidisciplinar, cliente ou familiares. A reabilitação deve acontecer tendo como foco principal o sujeito em tratamento.
Um aspecto muito importante nessa caminhada é a capacidade que o cérebro tem de adaptar-se, encontrar novos caminhos para realizar a tarefa, conhecida como plasticidade cerebral.
Dentro de tudo que nos foi exposto, entende-se que a reabilitação é uma etapa muito importante na “recuperação” de quem sofreu alguma lesão a nível cerebral. Ela pode não só contribuir na melhora da qualidade de vida do afetado, como também possibilitar novas formas adaptativas de realização de tarefas, reinserindo este sujeito a uma vida mais saudável para ele e para sua família.

Alana Suelan Santos Ferreira - Graduada em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio. Psicóloga do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Email: alanasuelan@hotmail.com
Alexandra Veras Sobreira - Graduada em História pela Universidade Regional do Cariri - URCA. Graduada em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio. Psicóloga do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Email: alexandra.vs@ig.com.br
Cícera Cláudia Simplício - Graduada em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio. Psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Email: claudiasimplicio@ig.com.br

A Sensação, a Percepção e as Desordens da Percepção

Há um grande questionamento sobre a percepção que temos do mundo: O mundo existe por que percebemos ou percebemos o mundo que existe? Os neurocientistas acreditam que percebemos apenas uma parte do mundo ao nosso redor e que seria impossível captarmos todos os eventos existentes e que acontecem ao mesmo tempo.
Cada pessoa percebe o mundo ao seu redor de maneira diferente. Isso se dá porque além dos neurônios serem ligeiramente diferentes, nosso genoma é distinto e nós somos submetidos a diferentes experiências. A experiência prévia é importante para a acuidade de nossos sentidos. A mesma pessoa pode ter diferentes percepções de uma mesma coisa, dependendo de seu estado fisiológico (pessoas que fazem uso de álcool ou drogas) e psicológico (pessoas que estão em estado depressivo, maníaco, psicose entre outros).
Precisamos fazer um diferencial entre percepção e sensação. A sensação é a capacidade de codificar certos aspectos da energia física e química que nos circunda, representando-os como impulsos nervosos capazes de serem compreendidos pelos neurônios, ou seja, é a recepção de estímulos do meio externo captado por algum dos nossos cinco sentidos: visual, auditiva, tátil, olfativa e gustativa. A sensação permite a existência desses sentidos.
Já a percepção é a capacidade de interpretar essa sensação, associando informações sensoriais a nossa memória e cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar nosso comportamento. Por exemplo, um som é captado pela nossa sensação auditiva, mas identificar se esse som é uma voz humana, uma buzina ou um barulho de algo quebrando, fica a cargo da nossa percepção auditiva. Da mesma forma, quando eu vejo um objeto captado pela minha sensação visual, a percepção visual vai interpretar e associar aquela imagem a um conceito, onde eu posso estar vendo um sofá, um rádio ou mesmo um animal de estimação.
Então, a percepção é diferente da sensação. A percepção possui ainda uma característica chamada constância perceptual. Para os nossos sentidos, cada posição do objeto (perto, longe, claro, escuro) produz uma imagem visual diferente, mas para a percepção trata-se do mesmo objeto. A percepção é apenas uma consequência da nossa sensação e nem sempre está inteiramente disponível a nossa consciência, pois é filtrada pelo mecanismo da atenção, sono e emoção.
A percepção está ligada aos nossos cinco sentidos e ainda temos a percepção temporal, espacial e propriocepção.
Percepção visual: uma das percepções mais desenvolvidas nos seres humanos e é caracterizada pela recepção de raios luminosos pelo sistema visual. O princípio do fechamento (Gestalt) é melhor compreendido em relação a imagens do que a outras formas de percepção. A percepção visual compreende a percepção de formas, relações espaciais (profundidade), cores, movimentos, intensidade luminosa.
Percepção auditiva: também considerada uma das percepções mais desenvolvida nos seres humanos. É a percepção de sons pelos ouvidos e uma aplicação particularmente importante da percepção auditiva é a música. A percepção auditiva compreende: percepção de timbres, alturas ou freqüências, intensidade sonora ou volume, ritmo e localização auditiva, sendo um aspecto associado a percepção espacial que permite distinguir o local de origem do som.
Percepção gustativa: importante para nossa sobrevivência, evitado que ingerimos alimentos estragados. O paladar é o sentido dos sabores pela língua, sendo o principal fator dessa modalidade de percepção a discriminação dos sabores doce, amargo, azedo e salgado.
Percepção olfativa: importante na afetividade (memória olfativa) e também na nossa alimentação. O olfato é a percepção de odores pelo nosso nariz. A percepção olfativa engloba a discriminação de odores, o que diferencia um odor do outros e o efeito de sua combinação. O alcance olfativo nos seres humanos é limitado.
Percepção tátil: também importante na afetividade e é sentido pela pele do corpo todo, embora sua distribuição não seja uniforme. Os dedos da mão possuem uma discriminação muito maior do que as demais partes, assim como algumas áreas são mais sensíveis ao calor que outras. A percepção tátil permite reconhecer a presença, a forma e o tamanho dos objetos em contato com o corpo, bem como sua temperatura. Importante também na percepção da dor.
Percepção temporal: Não existem órgãos específicos para a percepção de tempo e esbarra no próprio conceito da natureza do tempo. Essa percepção é desenvolvida com as próprias experiências e é adquirida com o passar das idades. Por este motivo, crianças pequenas não dominam esta percepção e por vezes, ficam confusas com questões do tempo (ontem, amanhã, daqui a dois dias, no próximo final de semana). Isso explica o porquê das crianças terem a sensação de que o tempo demora muito a passar.
Percepção espacial: Também não possuímos órgãos específicos para esta percepção. Envolve a percepção de distância e do tamanho relativo dos objetos. Utiliza-se de outras percepções como a auditiva, a visual e a temporal. Esta percepção nos permite distinguir se um som procede especificamente de um objeto visto e se esse objeto (ou som) está se aproximando ou se afastando. Por exemplo, sabemos exatamente se um carro de som está passando pela nossa casa e seguindo a rua, ou se está subindo a rua e ainda passará pela nossa casa.
Percepção Propriocepção: Esta é uma percepção específica dos seres humanos, onde nos permite reconhecer a localização espacial do nosso corpo, sua posição e a orientação, sem utilizar a visão. Está ligada ao sistema vestibular do nosso ouvido interno, permitindo a manutenção do equilíbrio e a realização de diversas atividades práticas. Podemos correr e nos desviar de objetos pelo caminho sem perder o equilíbrio. Podemos saber se uma roupa vai nos vestir, só em olhar suas medidas. Sabemos que podemos passar por um lugar apertado ou baixo sem ao menos estarmos perto, isso nos permite desviar, abaixar ou procurar outro caminho.

As Desordens Da Percepção

As desordens da percepção são chamadas agnosias, termo derivado do grego gnosis, que significa conhecimento. Este termo foi cunhado pela Psicanálise por Sigmund Freud. As agnosias, geralmente, são causadas por lesões no córtex cerebral e dependem da região lesionada. São exemplos de Agnosias:
  1. Prosopagnosia – agnosia visual, incapacidade de reconhecer faces.
  2. Amusia – agnosia auditiva, incapacidade de reconhecer sons musicais.
  3. Afasia receptiva – ou agnosia verbal, cujo portador deixa de compreender a fala emitida por seus interlocutores.
  4. Assomatognosia ou Síndrome da indiferença – agnosia somestésica, incapacidade de reconhecer partes do seu corpo ou mesmo regiões inteiras do espaço extracorporal.
  5. Acinetópsia – perda da percepção de movimento. O movimento das coisas e pessoas parece fragmentado, como num filme com defeito.
  6. Acromatópsia – incapacidade de perceber cores.
Autora: Michelle de Sousa Fontes Martins
Formação acadêmica: Psicóloga com especialização em Neuropsicologia
Mestranda do Programa de Pos Graduação em Saúde Materno-Infantil
Professora da Faculdade Pitágoras São Luís
e-mail para contato: chellefontes@gmail.com

A Relação Entre a Doença Psicossomática e o Câncer de Mama: um estudo de caso


  Resumo
: Esse artigo visa estudar a relação entre as doenças psicossomáticas e o câncer de mama. Desse modo, evidenciou-se que apesar de muitos estudos serem desenvolvidos sobre o corpo e mente, ainda falta de conhecimento sobre o assunto. WINNICOTT em 1949, falou do erro em que os médicos apenas observam o lado físico do paciente e desprezam as desordens psicossomáticas que ocorrem no cérebro do indivíduo. É certo afirmar que a Psicossomática tem seu reduto na Psicanálise.
Palavras-chave: câncer de mama, corpo, mente, psicossomática, psicanálise.

Introdução

A medicina Psicossomática tem seu surgimento não muito distante, pois esta só foi estudada a partir do século XX, onde Heinroth através de pesquisas e estudos criou a expressão psicossomática em 1918 e a somatopsíquica dez anos depois. A partir de então muitos estudos tem sido realizados sobre o corpo e a mente, por alguns há ainda certo percentual de ceticismo, mas a cada dia que passa a realidade que ‘o corpo fala’, tem alcançado mais credibilidade.Para fazer menção à medicina Psicossomática é necessário diferencia-la da Psicanálise e Hisada nos elucida ambos os termos da seguinte forma:
Medicina Psicossomática é o estudo das relações mente-corpo com ênfase na explicação psicológica da patologia somática; é uma proposta de assistência integral e uma transcrição para a linguagem psicológica dos sintomas corporais, enquanto que a Psicanálise é um método de investigação da mente e uma atividade terapêutica. (EKSTERMAN, apud HISADA, 1992).
Desta forma a doença Psicossomática refere-se a algo não bem desenvolvido, no que diz respeito ao lado emocional do sujeito em certo momento de seu desenvolvimento. Winnicott em 1949, falou do erro em que os médicos apenas observam o lado físico do paciente e desprezam as desordens psicossomáticas que ocorrem no cérebro do indivíduo.
Consegue-se perceber que entre a Psicossomática e a medicina Psicossomática há uma distinção, referindo-se a isto, Sami-ali (CERCHIARI apud SAMI-ALI, 2000) diz que Psicossomática é: um modelo teórico e uma metodologia específica, onde o somático é percebido em sua complexidade e não na falha psíquica.
Pode-se assim dizer que a Psicossomática tem seu reduto na Psicanálise. Novamente Winnicott traz uma compreensão do assunto quando ele diz que: “quando há saúde a mente não usurpa a função do meio-ambiente, tornando possível porém a compreensão eventualmente de seu fracasso relativo”. (HISADA apud WINNICOTT, p.4, 2001).
No entanto, Alexander [1] (1989) diz que, teoricamente, cada doença é psicossomática, uma vez que fatores emocionais influenciam todos os processos do corpo, através das vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e psicológicos ocorrem no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do mesmo processo. (CERCHIARI, 2000).
O certo é que o ambiente tem uma responsabilidade no que diz respeito ao desenvolvimento do indivíduo, e é ele que torna possível o seu self. E de acordo com Hisada há uma relação entre o psique e a soma onde há o ponto central, e é neste que o self se desenvolve.Devido a isto há uma relação entre a personalidade construída do sujeito e as doenças apresentadas nele. Sobre isto Hisada (2001, p. 8) esclarece:
Cada indivíduo tem um modo de viver e adoecer. O tipo de doença e a época da vida em que ela se manifesta tem relação com a sua história, com a natureza dos seus conflitos intrapsíquicos e com a forma de lidar com eles.
A forma como cada pessoa foi criada, o contexto sócio-histórico reflete na vida do indivíduo, porque tudo o foi construído foi internalizado e pode refletir de alguma forma na vida do sujeito.

Estudo de Caso

Este estudo de caso tem o objetivo de apresentar o quanto o ambiente em que a pessoa foi criada, afeta em sua vida, podendo esta ser saudável ou não. Pretende-se demonstrar  a forma de como foi a construção da pessoa, realizada pela mãe ou cuidadores implica em sua forma de lidar com as angústias, decepções, tristeza etc.
No grupo de mulheres com câncer há ente elas as que é perceptível a somatização. Elas, na fala verbal deixam transparecer suas impressões, uma delas vamos chamá-la de Luciana. Ela foi criada em uma das cidades do norte de Mato Grosso. Segundo ela quando estava grávida de seu primeiro filho, já estava sentindo às contrações, e a bolsa já havia estourado e as dores eram intensas, porém ela não conseguia sair do quarto de sua casa, pois não conseguia se ver sendo cuidada por homens, sendo estes enfermeiros e médicos, ‘ver minhas partes intimas’ dizia ela, isto só em passar por sua mente era indigestível.
A forma como foi construída a personalidade de Luciana, agora estava colocando em risco sua própria vida e a de seu filho. Ela lembra que foi necessário que seu esposo fizesse uso da força para que o processo do nascimento do filho transcorresse dentro do contexto atual. Ela diz que foi criada entre muitos tabus, e que sua mãe foi a principal responsável por esta construção. Luciana a terceira filha de uma prole de 10 irmãos. Ela conta que sua mãe usava frequentemente roupas que não marcavam o corpo, isto era uma forma de evitar falar sobre o tema sexo com os filhos. Assim quando esta se encontrava grávida, sua aparência era disfarçada todo o período da gravidez, assim neste período nenhum dos filhos perguntaria sobre o que estava acontecendo, já que era um fato vergonhoso tocar neste assunto, ainda mais com um filho.
Luciana continua relatando sobre o ambiente em que foi formada, dentro de sua observação ela pergunta para a mãe como surgem as crianças? E a mãe responde que o telhado da casa abria-se, e assim Deus fazia com que a criança descesse até à cama da mãe. Muito curiosa Luciana percebe que a mãe começa a se sentir mal, e esta alerta a filha a ficar de olho no telhado para que esta não perca a chegada de seu irmãozinho enviado por Deus direto do céu mas que passaria pelo telhado do quarto.
Luciana diz que ficou todo o tempo olhando para o telhado atenta para ver a chegada do irmão, vale lembrar que as crianças tem muita credibilidade nos pais, ainda mais nos dias de Luciana. Ela fala que ficou decepcionada por não perceber que seu irmão chegou e ela não viu o telhado se abrindo, apesar de ficar atenta a ele.
Assim foram nascendo os outros seis irmãos. Ela descreve a mãe como uma pessoa defensora e construtora de tabus. Diz que quando entrou na pré-adolescência, não sabia nada sobre o desenvolvimento hormonal, responsável pelo crescimento dos seios e quadris nas meninas, e crescimento de barba, pelos e mudança na voz dos meninos. Como era incentivada a usar roupas sem formas, assim como a mãe, ela conta que sua mãe não percebeu o crescimento dos seios. E ela internaliza este momento como uma doença: onde primeiro forma o bico do mamilo, e depois vai sendo desenvolvido o tamanho da mamária.
Ela diz que na primeira faze ela ficava passando sempre a mão para que aquela “doença” desaparecesse, e como isso não acontecia foi observada achatando o bico do peito por uma de suas irmãs, que advertiu a mãe sobre o comportamento estranho que presenciara na irmã. A mãe agora fala para a filha que o que estava acontecendo era comum a todas a mulheres, sendo que todas deveriam passar pela mesma fase. Esta segundo Luciana achou que tranquilizava a filha, porém o efeito foi contrário, pois ela sentia que não queria aquele tipo de doença, já que o internalizara assim.O pior segundo ela,é ver que um era maior que o outro, e era isto que a considerava certo de que havia algo de errado, ‘tinha que ser aquilo uma doença’.
Quando chegou o período menstrual, ao perceber o sangue e a ausência de ferimento, fica espantada e conta para a mãe que não era mais virgem, pois tinha perdido a posição de virgem, e a mãe considera como verdade. Só depois de um tempo ao conversarem é que a mãe coloca que aquilo não era perder a virgindade, mas apenas um período onde o sangramento iria se apresentar todos os meses.
Outro momento foi aos 15 anos quando iniciou um namoro com um rapaz, ela não sabia o que era beijos, mas mesmo assim se comprometera com ele de se enamorarem. Ao saber do acontecido a mãe ameaça a filha, ela diz que sempre as ameaças da mãe foram todo o tempo desde a infância, elas eram tão violentas que os filhos acreditavam que a mãe teria corajem de matar qualquer um deles como ela falara sempre em suas palavras. A privada da casa era fora no quintal era lá que toda a família fazia ali as necessidades fisiológicas, era um lugar cercado e coberto por palhas de coco, um buraco em média com dois metros de profundidade e tapado com tábuas, sendo que bem no meio ficava um espaço em aberto para ali serem jogados os detritos.
Luciana diz que desde cedo quis ser mãe, porém ela queria ser mãe de uma menina, e quando questionada como se deu o casamento com o marido, ela diz que foi a mãe que arranjou tudo, e isso aconteceu também com suas irmãs.Casou-se no civil e na igreja e depois houve a festa. Ao terminar a festa ela é conduzida para a casa onde a mãe lhe diz ser necessário que fique ainda oito dias até que possa ir para a casa onde já está o noivo. Como o casamento foi arranjado, o rapaz aceita a proposta da sogra, porém ao saber que a noiva sofria maus tratos da mãe, é importante dizer que isto só aconteceu neste período, pois este era o costume da tradição segundo à mãe. O noivo no terceiro dia, faz a proposta para ela de que vai respeitar o restante dos demais dias até que este possa desposá-la, mas que vá para a casa com ele, para não sofrer mais.
Ela concorda, e vai para sua vida de casada, porém a forma como foi desposada é tão intrigante quanto o que já foi descrito até aqui. O noivo inicia o processo, com abraços e beijos, e percebe que a relação foi aquecida, assim diz que vai ao banheiro, e quando sai de lá, sai enrolado em uma toalha, ela achou tudo isso estranho, ela conta, mas o mais estranho foi quando este tira a toalha e ela vê a genitália dele, ela nunca vira como era, e diz ter ficado tão assustada que encontra um espeto e o ameaça caso queira se aproximar.
Ele, o noivo foi muito paciente e ficou ali enrolado na toalha e de longe várias horas tentando acalmá-la. Quando isto ocorre, ela concorda que este conclua o ato, porém diz que ao rompimento do hímen, foi necessário o uso de remédios para poder sarar. Também conta que até ao nascimento do primeiro filho planejou sair daquela relação, pois não sentia prazer e nenhum sentimento por aquela pessoa, que apesar de tudo tinha paciência com ela. A razão de não ter para onde ir foi o que a manteve naquele relacionamento.
Neste contexto Luciana foi criada, depois de ser mãe pela quarta vez ela diz que alguns anos depois começou a perceber alguns sintomas estranhos em seu seio, porém ela negou este sentimento, o tempo foi passando e os sintomas foram ficando cada vez mais intenso, ela viu que não era normal aquelas reações do corpo, porém ir ao médico e mostrar seu seio para ele era inconcebível.
No entanto, ela diz que veio a furo a dor que sentia e só então foi ao médico. Ao este realizar os exames lhe disse ser um câncer, e num estado muito avançado. Logo Luciana foi conduzida para uma cirurgia para a retirada do tumor e na sequencia quimioterapia e radioterapia. Que segundo ela a conduziu para o conhecimento de mais um câncer no intestino.Em fim, Luciana disse que isto a levou a pesar 80 quilos sendo ela uma senhora de 1m e 40cm de altura. Diz ela que teve que desconstruir muita coisa em sua vida para poder sobreviver.
Como Luciana, há outras mulheres, cada uma com uma formação sócio-histórica, cada uma com uma formação de personalidade, porém o que há em comum nestas mulheres? Pode-se dizer que o câncer. A doença Psicossomática, as fugas de cada uma delas diante dos obstáculos vividos. Percebe-se que a frase de Marco Silva é real, “o indivíduo faz do corpo o palco para a expressão de sua angústia”. (HISADA, apud, SILVA, 2001,p.8).

Considerações Finais

Freud, apesar de não fazer uso do termo Psicossomático, ele deixou um grande legado para a Psicologia em relação à sua explicação sobre a transposição de um conflito psíquico, nisto ele tentou resolver e entender a problemática, assim apresentou como sintomas somáticos, motores e sensitivos.
Cerchiari (2010) realizou uma pesquisa em sua dissertação de mestrado, o que muito contribuiu para observação entre o estudo de câncer de mama. O resultado demonstrou que as mulheres pesquisadas em sua maioria tinham dificuldades de expressar os seus sentimentos às pessoas, e que há em parte delas há pensamentos relacionados ao pensamento psicótico.       
Apesar do pouco tempo de observação com as mulheres com câncer que se reúnem através de um projeto de uma assistente social de um dos hospitais de Sinop, é claro de ver que há alguns pontos parecidos como os apresentados pela pesquisa de mestrado citada por Cerchiari (2010). Assim, voltamos a afirmar que o sentimento de self do indivíduo é construído desde sua formação, e este dependendo de como foi internalizado pode levar o sujeito a sofrer doenças das mais variadas formas, conforme sua somatização.

Irenilde Silva Bizzotto - Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade de Cuiabá/Campus Sinop – MT – Brasil irebizoto@hotmail.com
Paulo César Ribeiro Martins - Doutor em Psicologia pela PUC de Campinas – SP, Professor do curso de Psicologia da Universidade de Cuiabá/Campus Sinop – MT – Brasil.